Revisitando a história do feminismo

As conquistas femininas na atualidade e da existência de um passado de luta pelo movimento de mulheres e do feminismo, motivou-nos a reunir o que já tínhamos da história de ambos e acrescentar novas informações para trazer um pouco dessa história.

A igualdade foi prometida para todos após as Revoluções Liberais, mas não pode ser realizada. As mulheres, por exemplo, continuaram a serem excluídas dos direitos civis e políticos que os homens possuíam. A justificativa para tal distinção era a diferenciação biológica, uma exclusão feminina produzindo sua dominação baseada na particularidade de seus corpos, que eram “vistos” como inferiores comparados aos masculinos. O status de “indivíduo” não foi concedido à elas (SCOTT, 2002).

Houve nesse processo um descontentamento de alguns grupos de mulheres e elas se organizaram para lutar contra a desigualdade vivenciada baseada na diferença entre os sexos na Europa e EUA do séc. XIX e ao longo das décadas seguintes, este movimento se estendeu para outros países. Elas passaram a exigir os mesmos direitos na sociedade. Inicia-se o que seria conhecido como feminismo, que ansiava naquele momento por reformas legislativas que permitissem a elas o Voto. Essas mulheres ficaram conhecidas como as Sufragistas. Além do direito político ao voto reivindicaram: educação, igualdade e cidadania, inicia-se nesse momento uma expansão da luta.

Movimentos do século XIX

No Brasil inicia-se no final do séc XIX, período que há uma tomada de consciência da sociedade como um todo da importância de se lutar pelos direitos civis, mulheres começaram a se organizar. Mas, devido às especificidades da sociedade brasileira naquele período, era muito difícil a associação delas em movimentos como ocorreu em outros países. Apenas se reuniam em agremiações literárias, nas reuniões das edições de jornais/revistas femininas e em associações abolicionistas e de caridade.

Esses movimentos do final do séc XIX e início do XX no nosso país iniciados por segmentos femininos da sociedade eram realizados por aquelas militantes que pertenciam as classes economicamente favorecidas, surgiu com a mobilização de mulheres das camadas médias e elites urbanas filiadas às diferentes entidades. Porém, elas não questionavam a dominação masculina no âmbito doméstico, nem a liberdade sexual e os direitos reprodutivos. O primeiro grupo que poderíamos chamar de feminista foi criada em 1910 por Leolinda Daltro no RJ, e em 1922 foi criada a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, que teve como sua fundadora Bertha Lutz.

Bertha Lutz defendia a emancipação das mulheres, os direitos políticos e que elas poderiam exercer qualquer cargo profissional sendo casadas ou não. Nessa mesma época, organizaram o I Congresso Internacional Feminista. Embora na sociedade brasileira as feministas sofressem retaliações, vale sinalizar a grande conquista na Constituição de 34, na qual o voto feminino foi incluído (MOTT, 2001).

Porém diferentemente das mulheres dos segmentos médios da sociedade, inicia-se nas fábricas no início do séc XX eclode um movimento das que pertenciam as associações de trabalhadoras, as intituladas anarquistas e socialistas daquele período, pois a grande maioria de trabalhadores(as) não possuía uma regulamentação de salários, dias e horas trabalhadas, férias, aposentadoria, licença à maternidade e doenças. Foi um período de muitas lutas e conquistas trabalhistas na Era Vargas.

Já nas décadas de 1940 e 50, as mulheres com mais escolaridade não mais aceitavam as mesmas subordinações a que suas antecessoras estiveram submetidas, mas muitos valores permaneceram inalterados, principalmente os referentes à sexualidade e à domesticidade; como o mito de que as mesmas nasceram para procriar. O feminismo inicia no Brasil com força de um movimento organizado e teve como objetivo questionar a condição feminina em uma sociedade constituída por relações assimétricas entre os sexos, e de pleitear um espaço de atuação política e de luta pelos seus interesses (FRANCHETTO et al., 1981: 17).

A partir dos anos de 1960 os ideais por igualdade entre homens e mulheres vão servir de base para os estudos a respeito da sexualidade baseados da identidade de gênero, e questionava um modelo de sexualidade próprio de uma sociedade machista, burguesa e racista que produziam mecanismos de controle sobre os corpos das mulheres.

A Segunda Onda do Movimento Feminista

No final dos anos sessenta, intensificam-se os estudos sociais sobre a mulher, que abordavam questões como família, saúde, educação, sexualidade e emprego, valendo-se dos estereótipos da época e dos distintos papéis atribuídos aos sexos na família, na escola e no trabalho (COSTA et al., 1985).

A chamada Segunda Onda do Feminismo foi um movimento que se mostrava como um novo projeto emancipatório que agregou as suas reivindicações a luta contra as iniquidades de gênero, e a visão de que era necessário se lutar para a supressão do racismo, da homofobia, do imperialismo e da desigualdade de classe (FRAZER, 2009).

No Brasil, o feminismo floresceu nos anos de 1970. O marco foi a publicação dos jornais: Brasil Mulher em 1975 e Nós Mulheres, em 1976. O movimento feminista ganhou expressão na sociedade brasileira se deu com o importante evento internacional – a Declaração da ONU de 1975 e a modernização por qual passava o país, com a expansão do sistema educacional, a abertura de maiores postos de trabalho e o acesso a pílula anticoncepcional trouxe avanços e uma maior liberdade sexual, influenciando na década seguinte as pesquisas de estudiosas(os) acerca do tema e contrapôs à ideia do determinismo biológico, introduzindo nas discussões e pesquisas o conceito de gênero, que foi sendo usado para designar as diferenças entre homens e mulheres e para demonstrar os estereótipos culturais ou as normas produzidas a partir da diferença.

Em 1985 é criado o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (FARAH, 2004). Na década de 90 se aprofundaram as discussões sobre o tema. Rosemberg (1993) salienta a passagem dos estudos da/sobre a mulher para os das relações de gênero. Os estudos feministas sobre a temática da violência doméstica passaram a enfocar as relações entre os pares. As pesquisas se direcionam para a subjetividade dos relacionamentos interpessoais, ou seja, como elas se constituem e se movem (ZANOTTA, 1999).

Em 1992 foi lançada a Declaração dos Direitos Humanos na perspectiva de gênero, com as principais reivindicações: a possibilidade de se ter uma sexualidade plena desvinculada da reprodução, direito ao aborto seguro e legal e a não discriminação por orientação sexual. Foram criadas redes temáticas como a Rede Nacional do Direito Reprodutivo (FARAH, 2004). A partir dos anos de 1990 iniciou-se uma nova fase de afirmação das diferenças, uma afirmação de outras identidades que fugiam da masculina/feminina e o crescimento do feminismo de mulheres negras, das lésbicas, das proletárias, entre outros.

Os movimentos feministas ao longo dos anos, mesmo com tantas vertentes, provocou mudanças significativas nas instituições e na coletividade, resultando na conquista, pelas mulheres, de espaços sociais importantes. E “Continuamos Em Marcha”!

 

Referencias

FARAH, Marta Ferreira. (2004). “Gênero e políticas públicas”. Revista Estudos Feministas, 12: 47 71.

FRANCHETTO, Bruna et al. (1981). “Antropologia e Feminismo”. In.: Perspectivas Antropológicas da Mulher. Rio de Janeiro: Zahar, 1:11-47.

MOTT, Maria Luiza. (2001). “Maternalismo, políticas públicas e benemerência no Brasil (1930-1945)”. Cadernos Pagu, 16: 199-234.

ROSEMBERG, Fúlvia. (1993). Estudos sobre a mulher e relações de Gênero. In: Miceli S (ed). A Fundação Ford no Brasil. São Paulo: FAPESP: 205-236

SCOTT, Joan. (2002). A cidadã paradoxal: as feministas francesas e os direitos do homem. Florianópolis: Editora Mulheres. Trad. Élvio A. Funck.

ZANOTTA, Lia Machado. (1998). Violência Conjugal – os espelhos e as marcas. Rio de Janeiro: Série Antropológica, 15: 291-308. 

 

Por Mirian Teresa de Sá Leitão Martins. Mirian é especialista na área de Psicologia / Educação e Saúde, pesquisadora com estudos de gênero e saúde. Voluntária da ASPLANDE. Contato: mirianteresad@yahoo.com.br