Participação e resistência social

Historicamente, no Brasil, tanto a questão social quanto as lutas sociais sempre foram criminalizadas, no sentido de anular ou intimidar movimentos, sindicatos, partidos, suas bases e lideranças. Aliás, nunca deixou de ocorrer repressão contra diferentes manifestações sociais de setores populares, no campo e na cidade. Sem desprezar todas as lutas e mobilizações já construídas, a literatura mostra de que forma, no final dos anos 70, a organização da sociedade civil passou a ser mais efetiva na luta contra o regime militar. Nesse período, iniciou-se uma maior noção de autonomia e de organização independente do Estado. Com o fim da ditadura militar, no ano de 1985, ficaram mais comuns o engajamento em prol do atendimento das demandas sociais e uma maior participação da sociedade civil que, segundo Gohn (2004), passou a adquirir maior destaque no espaço público. Há de se reconhecer que apesar de tanta repressão, a resistência existe personificada em grupos e classes, sindicatos, movimentos sociais e partidos políticos. Desenvolvem-se reivindicações, greves, protestos e revoltas. Simultaneamente, há uma luta aberta e surda pela cidadania – um vasto processo histórico social por meio do qual entra em curso a metamorfose da população de trabalhadores em povo de cidadãos. (IANNI, 1991).

Com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, em 05 de outubro de 1988 – marco histórico e simbólico -, entre outras questões, houve a retomada da efetividade e a garantia de Políticas Públicas, e da participação da população por meio de organizações representativas na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis.

Os governos no período de 1995 a 2002 (Fernando Collor de Melo, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso) colocou em prática no Brasil o projeto macroeconômico capitaneado pelas agências financeiras internacionais, promovendo reformas orientadas pela ideologia neoliberal, com a privatização dos bens públicos e redução do papel do Estado, que representaram um ataque à seguridade social proclamada pela Constituição de 1988. Num contexto de contrarreforma do Estado, com a regressão de direitos do mundo do trabalho e o rompimento de direitos sociais, se fez necessária uma sociedade civil atuante e capaz de propor um projeto alternativo de mudança compatível com os princípios da justiça social.

Cabe ressaltar que a sociedade civil travou inúmeras batalhas em diferentes espaços para a inclusão de segmentos sociais tradicionalmente marginalizados das decisões sociais e políticas, até que o direito à participação foi considerado como princípio constitucional. No âmbito da sociedade civil, incluímos os moradores de favelas, para quem as lutas são árduas e invisíveis.

Assim, visibilizar os movimentos sociais e suas características de participação nas favelas deve servir como um esforço de ressignificação das favelas de uma forma geral. As favelas, como parte integrante da cidade, criam e recriam estratégias de resistência e ação por parte de seus moradores, articulados em grupos, coletivos e redes. Para cada problema, há grupos se articulando e lutando, pessoas que conhecem profundamente os problemas e os enfrentam com criatividade e talento. A cada dia, buscam parcerias, produzem tecnologia social e cultura, atentas para a preservação do meio ambiente e para os direitos humanos, entre outros temas, criam novas soluções para o presente e o futuro de suas comunidades, geram alegria, saúde e solidariedade. A mobilização e a ação dos moradores que rompem o isolamento de suas casas e se transformam em agentes de transformação social devem ser reconhecidas, valorizadas e fortalecidas, em nome da defesa e do direito à vida, fundamental para todos nós.

 

Fontes

Gohn, M.G. (2004). Empoderamento e participação da comunidade em políticas sociais. São Paulo: Saúde e Sociedade, v. 13.
Ianni, O. A. (1991). Questão Social. São Paulo, Revista Em perspectiva.

 

Por Wanda Lucia Branco Guimaraes, Voluntária da ASPLANDE, Coordenadora do CEDAPS- Centro de Promoção da Saúde, mestranda da PUC-Rio do Departamento de Serviço Social, Pesquisadora do Laboratório de Estudos Urbanos e Socioambientais- LEUS. Contato: wanda@cedaps.org.br