Retrato da Mariane Diaz
Nome: Mariane Diaz
Negócio: Olubayo
Área de negócio: Educação e relações étnico-raciais
Bairro/Município: Bangu / Zona Oeste
Contato: (21) 99540-8137
Na infância é comum as crianças buscarem personagens em quadrinhos ou desenhos animados como inspiração. Nesta fase quando a imaginação está aflorada e os pequenos começam a descobrir seu lugar no mundo e também quando a representatividade se manifesta. Para crianças negras a representativa em forma de contação de histórias foi pensada por Mariane Diaz.
A experiência da professora começou quando trabalhava em uma escola de educação infantil em Nova Iguaçu. Mariane logo percebeu que haviam poucos materiais – tanto livros quanto brinquedos na qual as crianças da turma se identificassem, pois a turma era formada majoritariamente por crianças negras, “eu já vinha de algumas observações e estudos sobre relações raciais e infância no primeiro segmento do ensino fundamental mas ainda era muito prematuro. Buscava livros com personagens negros para o meu acervo pessoal mas depois, estudando, pesquisando e observando percebi que é muito além de ter protagonistas negros. É preciso entender que história é essa que está sendo contada e qual o papel dos personagens negros. Como trabalhava com crianças de 3 anos, a ludicidade precisava estar presente. A minha turma adorava ouvir histórias mas pensei que seria importante que as crianças, ao brincar de casinha, encontrassem filhos que parecessem com elas”, conta.
Foi diante dessa realidade que Mariane Diaz decidiu experimentar e confeccionar boneca e boneco de pano negro. Feitos de feltro, costurada a mão mesmo e como foi possível já que ela não tinha prática com a costura. Ver a felicidade das crianças ao levar para casa os novos brinquedos e mostrar para as famílias. Neste período algumas amigas viram e começaram a pedir que fizessem para elas também e assim Mariane enxergou uma possibilidade para empreender e fazer o que acreditava, “a questão é que lá em 2018 eu não via como um empreendimento. Era um “bico”, que inclusive eu nem anunciava… Eu participava de feiras mas não conseguia fazer boas vendas e a minha precificação estava completamente errada. Eu não achava viável e possível cobrar um valor que fosse sustentável pra mim pois entendendo da grande lacuna de representatividade na infância, o meu desejo é que o maior número de crianças pudessem ter uma boneca que se parecessem com elas e que aprendesse a amar a sua negritude. Nessa época eu já pesquisava sobre literatura infantil e relações etnicorraciais, mas não me sentia confortável para fazer”.
A professora começou a se aventurar na arte da leitura em 2019, após o curso de contação de histórias negras realizado pela Sinara Rúbia. Apesar de participar de outros cursos do mesmo gênero, a educadora não se sentia segura e a vontade. Na formação, Mariane Diaz aprendeu uma forma que dialogava mais com suas vivências, narrativas e oralidade. Em seguida começou a fazer parte do Grupo UJIMA – contadores de histórias negras. Dessa forma, através de um sonho nasceu a Olubayo – empreendimento que com a educação literária é voltado para a contação de histórias negras.
Diaz avalia os impactos positivos que o Olubayo representa para o público, “eu observo e escuto os relatos depois. É muito positivo e me fortalece demais ver os olhos atentos e brilhosos das crianças quando aprendo ilustrações que se parecem com elas. Quando falo de heróis e heroínas da nossa história que são pretos e importantes como elas. Acredito que fica muito no campo da subjetividade e que é uma construção. Eu acredito que ter uma dimensão de fato do trabalho ocorrerá quando eu conseguir executar um trabalho permanente com um grupo de crianças e observar as mudanças de comportamentos. É muito difícil lutar contra o racismo estrutural pois é um projeto tão bem organizado que eu posso passar o dia inteiro fortalecendo a autoestima da criança mas quando ela for atravessada pelo racismo ela possivelmente se questionará. Só de receber uma mensagem que a criança quis soltar o cabelo depois de conhecer uma história que eu contei ou do interesse da criança pelas mitologias iorubás isso já me alegra muito.”
Em 2019, Mariane participou da segunda edição da Incubadora Impacta Mulher e diz que: “pude ver que meu negócio pode ser viável, eu preciso desenhar e estruturar o meu modelo de negócio, mas ele é possível. Eu entendo que eu não preciso explorar uma forma, que eu posso construir outros caminhos que também aprendi a valorizar o meu trabalho, ou pelo menos continuo tentando. Compreender que eu posso fazer um trabalho de impacto no meu território e posso pagar minhas contas também. A Olubayo ainda não se sustenta, mas muito do que conseguiu construir veio a partir do Impacta, não só pelas aulas mas principalmente pelas trocas, pelos diálogos e conexões. Acho que o incentivo do Impacta Mulher para mim são as conexões e a abertura de novas possibilidades.”
No ano passado antes da pandemia do Coronavírus estourar no mundo, o evento “Lentes de Gênero”, promovido pelo British Council, foi uma oportunidade para empreendedoras assim como Mariane Diaz terem acesso a estudos que estão comprometidos com a inclusão da diversidade étnica e de gênero nas empresas, “conheci também empresas como a Vale do Dendê que é uma empresa de impacto social de salvador que atua como aceleradora de negócios e faz um recorte racial, levando em consideração a periferia. Aliás, a discussão posta pela Ítala Herta trazendo o debate sobre territorialidade e periferia foi cirúrgico. Não tem como não olharmos para as periferias quando falamos sobre empreendedorismo e inclusão. Eu escrevi um relatório trazendo essa experiência e pontuando mais especificamente sobre o evento, mas pra mim a tensão de olhar atento para o recorte territorial somado a gênero e raça é fundamental. Lembrei inclusive de Angela Davis.”
A moradora de Bangu idealizou o “Compartilhando histórias negras pelo mundo”, uma forma de apresentar autoras e autores negres do sul Fluminense por meio de vídeos. O principal intuito é espalhar suas narrativas e que possam aprender a potência da autoria negra do estado do Rio de Janeiro a partir da contação de histórias. O projeto recebe incentivo cultural da Lei Aldir Blanc. Mariane opina sobre haver mais políticas voltada para a arte e a educação, “há algum tempo eu venho refletindo que em uma sociedade capitalista dinheiro é poder e que eu posso escolher onde irei colocar o meu dinheiro. Eu acredito que pensando nesse ecossistema empreendedor, é fundamental que haja troca e incentivo. Na minha opinião as grandes empresas deveriam ter a obrigação de investir em contrapartidas sociais e ambientais e se isso acontecesse microempresas poderiam ter um respiro para colocar seus projetos e ações na rua”.
Com a chegada da pandemia a Olubayo precisou se reinventar, “eu tinha uma oficina marcada na As Josefinas no mês de março. Seria a primeira oficina de confecção de bonecas e bonecos de pano, que era um pedido que algumas pessoas, principalmente professores já me faziam, acabei modificando para online e já fiz duas edições. Eu mando para a casa da pessoa um kit completo em que costuramos online e vamos trocando e aprendendo juntos e juntas. Nas duas edições foram 14 pessoas participantes e pretendo abrir outras turmas, preciso me organizar. Eu também mudei a minha precificação. Fiquei mais de um ano sem produzir bonecas pois estava com crise pois praticamente pagava para trabalhar. Nesse período de pandemia achei um sistema que não sei se é o ideal, ainda estou experimentando e tentando modelar o negócio mas abri os custos de produção e indico quatro opções de preço, a partir da realidade sócio econômica, a pessoa escolhe quanto ela pode pagar, naquele momento pela boneca/boneco. Essa tem sido uma experiência muito bacana pois boa parte das pessoas optam pelos valores que me possibilitam realizar ações de impacto no meu território e isso me faz entender que tem muita gente que acredita no meu trabalho.”
Mariane explica a missão antiracista da Olubayo, “meu trabalho versa sobre educação, crianças e reconstrução das nossas histórias, trazendo as narrativas negras para potencializar a nossa ascendência. Eu acredito que as histórias podem nos fortalecer e se eu aprendesse a compartilhar histórias que mostram outras perspectivas, para além da escravização, as crianças negras e não negras poderão valorizar e reconhecer a contribuição do povo negro para a humanidade. É uma mudança de perspectiva fundamental, você sai do lugar de descendente de escravos e ocupa o lugar de descendente de Reis e rainhas que foram escravizadas. Meu objetivo é trabalhar a partir da potencialidade, de reconstruir as narrativas e não a partir da dor. Eu costuro bonecos e bonecas pretas e compartilho histórias com protagonismo negro para que as crianças se enxerguem e que as crianças não negras enxerguem a humanidade e a beleza negra. O racismo nos desumaniza, como se corpos pretos valessem menos, tivessem menor importância, tem maior resistência a dor e todo tipo de crueldade. A arte salva porque ela nos aproxima da nossa humanidade, mexe no sensível e acredito, tem a possibilidade de nos tornarmos mais humanos” finaliza.
Clique aqui para assistir a série de vídeos “Compartilhando histórias negras pelo mundo”
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Por Bia Carvalho, jornalista e voluntária da Asplande