Negócios Sociais e Impacto Social

Os negócios sociais têm se tornado uma maneira para as mulheres fugirem ao desemprego e ao trabalho precário. Estes negócios são administrados muitas vezes sem acesso à capital financeiro, já que ainda existe muita discriminação às mulheres no que diz respeito aos empréstimos de dinheiro e investimentos.

Face a estas desigualdades, a ASPLANDE e a Social Starter criaram uma Incubadora de Negócios Sociais, com o apoio do British Council. Esta incubadora tem como objetivo apoiar as empreendedoras das favelas e periferias do Rio de Janeiro a se tornar embaixadoras para empreendimentos sociais e criativos em suas comunidades. O projeto contou com dois ciclos de 30 participantes.

Tivemos a sorte de contar com alguns testemunhos de empreendedoras de negócios sociais. Optamos pela metodologia qualitativa, mais especificamente pela entrevista como ferramenta de trabalho já que são uma boa opção para dados que são difíceis de colher, e que facilitam o acesso aos sentimentos e impressões das pessoas. A amostra de entrevistadas, por ser pequena, não tem a pretensão de ser significativa da opinião geral das empreendedoras sociais, mas apenas para conhecer o olhar de algumas mulheres da periferia do Rio de Janeiro que se lançaram na aventura do empreendedorismo social.

Quando falamos de Negócio Social, utilizaremos a definição da Força Tarefa de Finanças Sociais (FTFS): “Os negócios de impacto são modelos de negócio com diferentes formatos jurídicos que apresentam soluções para problemas sociais e ambientais”.

Segundo esta definição, um negócio social existe apenas se cumpre com as quatro regras dos negócios sociais:

– Têm como propósito gerar impacto socioambiental positivo (explícito na sua missão)

– Gerar receitas próprias a partir da comercialização de produtos e serviços

– Possuir uma governança que leve em consideração os interesses de clientes,  investidores e comunidade.

– Conhecer, mensurar e avaliar o seu impacto periodicamente

E é no sentido da quarta regra que iremos focar este artigo. Por que mensurar o impacto social? Quais os impactos positivos de ter um negócio social? Como a Incubadora impacta positivamente na vida de suas participantes?

Numa primeira parte, vamos ver o que é um negócio social e porque mensurar o impacto do seu Negócio Social e numa segunda parte nos interessaremos no conceito de empoderamento  como indicador de impacto da Incubadora de Impacto Social da ASPLANDE e da Social Starters.

 

  1. Negócios sociais e mensuração de impacto

 

A. Mulheres diretoras de empresas de impacto

Uma pesquisa desenvolvida pelo British Council propõe que as empreendedoras sociais formais no Brasil tiveram um capital financeiro importante durante a infância, uma escolarização avançada e poucas responsabilidades familiares.  As mulheres com um capital financeiro e um nível de escolarização menores tendem a ser “microempreendedoras sociais” informais com baixa remuneração. Segundo esta mesma pesquisa, o maior obstáculo ao empreendedorismo feminino é a falta de apoio, de conhecimento e de acesso financeiro. Além disso, ainda existem dificuldades institucionais que são as mesmas para ambos os sexos, existem algumas que são mais fortes para as empreendedoras do que para os empreendedores. Por exemplo, a difícil gestão do tempo profissional e doméstico/familiar, a falta de confiança em competências e habilidades, ou a falta de modelos femininos a seguir. Isto tudo acompanhado da discriminação efetiva no acesso a financiamentos.

No mundo, as principais dificuldades que encontram as mulheres que querem ser empreendedoras sociais são as restrições básicas do mercado. Porque não são ONGs, os negócios sociais têm um acesso reduzido aos financiamentos públicos e filantrópicos. No Brasil, a estas dificuldades se somam aos problemas da burocracia e da falta de legislação de apoio a este tipo de empreendimento.

As nossas entrevistadas falaram da dificuldade de ser levada a sério sendo mulher e também sendo da periferia do Rio de Janeiro: “eu enquanto mulher, empreendedora, negra passo por todos as questões e os desafios de uma mulher empreendedora, que tem filhos, família e geralmente mora distante do local onde atua”. Outra dificuldade da qual todas as nossas entrevistadas falaram também era a falta de conhecimento sobre algumas questões, sobretudo quando os empreendimentos estavam na fase inicial.

 

B. Medir o impacto como uma abordagem ética

-Mas, qual o impacto destes negócios de impacto? Para avaliá-los temos que olhar depois de um tempo. Os impactos servem para saber se a nossa ação é ou não relevante, e garantir se uma verdadeira relevância é identificada. Esses impactos são as mudanças na visão das pessoas que participaram do projeto ou da atividade do negócio social, consequências que podem ser tanto positivas como negativas.

Em outras palavras, a mensuração de impacto é um dever ético da organização ou do negócio social. Não é suficiente acreditar que estamos fazendo uma boa ação sem procurar as provas de que essa ação tem mesmo o impacto positivo planejado no início. Ainda, a avaliação de impacto faz parte do compromisso que devemos ter com os financiamentos que recebemos, sejam públicos ou privados, além de melhorar a qualidade e eficiência de nossas ações. Na mesma pesquisa sobre negócios sociais no Brasil do British Council foram identificados impactos dos empreendimentos sociais sobre as suas empreendedoras.

O primeiro é um impacto positivo: as mulheres que se tornaram empreendedoras sociais experimentaram um sentimento de autovalorização, autoconfiança e independência nas escolhas. O segundo é negativo e está ligado ao estresse e a insegurança financeira que podem sentir algumas as entrevistadas

 

  1. O empoderamento como impacto social

 

A.O conceito de empoderamento

O projeto de “Incubadora de Negócios Sociais” foi concebido com o empoderamento como objetivo de impacto social, este objetivo está alinhado com o objetivo 5 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU: “Igualdade entre os sexos”, mais especificamente nos pontos seguintes

– 5.1 Luta contra as discriminações: Pôr fim, no mundo inteiro, à todas as formas de discriminação das mulheres e meninas.

– 5.5 Participação e acesso aos postos de direção: Garantir a participação inteira e efetiva das mulheres e do seu acesso totalmente igualitário às funções de direção em todos os níveis de decisão, na vida política, econômica e pública.

– 5.a Direito e acesso aos recursos: Empreender reformas destinadas a dar as mulheres os mesmos direitos aos recursos econômicos, assim como ao acesso à propriedade e ao controlo das terras e outras formas de propriedade, aos serviços financeiros, à herança e aos recursos naturais, no respeito do direito interno.

– 5.b Tecnologias e Autonomização: Reforçar a utilização das tecnologias chave, nomeadamente a informática e as comunicações, para promover a autonomização das mulheres.

As Nações Unidas definem empoderamento como o “processo de habilitar pessoas para incrementar o controlo sobre as suas próprias vidas, para ganhar controlo sobre os fatores e decisões que formam a suas vidas, para incrementar os seus recursos e qualidades e construir capacidades para ganhar acesso, parceiros, redes uma voz, para ganhar controlo”.

Outros autores tentaram dar definições mais específicas do conceito de empoderamento, como Jo Rowlands, cujo trabalho diferencia quatro classes de poder: o poder sobre, o poder para, o poder com e o poder interior. Compreender a natureza destas quatro dimensões do poder desconstruir a visão binária que temos sobre ele. Do mesmo jeito, Vincent Lemieux propôs em 2002 uma tipologia de recursos de poder que permitia analisar a mudança dos vínculos socais já que ele considerava os atores sociais através das suas relações com os outros. Entre os tipos de poder que ele teoriza, encontramos o poder material, o poder político e o poder da rede.

 

B.Empoderamento como impacto social da Incubadora

Um dos tipos de empoderamento que é possível graças à Incubadora é o “poder-para” e o “poder-sobre”, na classificação de Rowlands e está vinculado ao conhecimento.  Nas palavras de uma das nossas entrevistadas “o conhecimento gera empoderamento”, e a capacitação técnica que a Incubadora oferece as suas participantes dá-lhes poder para gerir os seus negócios de impacto social assim poder sobre eles.  Ter poder sobre a sua própria atividade, vai mais além do que o simples conhecimento. Como uma das nossas entrevistadas disse, pressupõe “transformar o capital intelectual, capital tecnológico e capital financeiro”. As atividades coletivas poder efetivamente contribuir a um processo de legitimação daquelas atividades. Outra entrevistada falou do fato da incubadora ter “dado o sentido ao seu trabalho”. O empreendimento já existia e funcionava, mas as reflexões sobre a sua própria atividade com as oficinas da incubadora permitiram que esse trabalho adquirisse todo o sentido que lhe era inerente. Apropriar-se da sua atividade econômica pressupõe “alinhar a verdade pessoal com a verdade do seu negócio”, como o lembrou uma outra entrevistada.

O empoderamento da incubadora de Negócios Sociais está também ligado ao que Lemieux chamou o “poder-rede”.  Os vínculos sociais que são reforçados pelas oficinas da Incubadora e as parcerias que delas nascem apenas são possíveis graças a reunião destas mulheres empreendedoras. É o que Rowlands define como “poder-com”, o tipo de empoderamento que existe graças ao coletivo e que dá sentido às dimensões afetivas e emocionais das práticas do “fazer juntas”. Uma das empreendedoras entrevistadas indicou que a Incubadora “dá legitimidade ao [seu] negócio social”. Uma outra palavra que se repetiu várias vezes nas entrevistas foi “troca”, o que denota a forte presença do comum e o compartilhado e finalmente a força da rede.

Podemos concluir que o Impacto social da Incubadora de Negócios Sociais da ASPLANDE e da Social Starters vem do empoderamento gerado pelo conhecimento e do Empoderamento gerado pela da Rede.

 

Objetivo Indicador (curto prazo) Indicador (longo prazo) Fontes de verificação

 

Capacitar empreendedoras sociais da periferia do Rio de Janeiro para gerir os seus negócios.

 

80% das empreendedoras participantes do projeto sentiram que a Incubadora aportou conhecimentos úteis para o seu negócio.

 

60% das empreendedoras utiliza os conhecimentos aprendidos nas oficinas da Incubadora no dia a dia do seu negócio. Entrevistas às participantes

 

Criar uma rede de solidariedade empreendedora a través da Incubadora de Impacto Social.

 

90% das empreendedoras participantes do projeto sentiram que a Incubadora lhes permitiu fazer parte de uma rede de cooperação entre empreendedoras de impacto social. 50% das empreendedoras concluiu pelo menos uma parceria com outra empreendedora da Incubadora de impacto para o seu Negócio.

 

Entrevistas às participantes

 

 

 

Fontes:

Artemisa, “Guia prático de avaliação para negócios de impacto social” – 2015

British Council, “O papel dos negócios sociais no apoio ao empoderamento feminino no Brasil” -2017

FTFS, “Guia para os gestores municipais: Soluções de Negócios de impacto” -2017

Helène Guéat-Bernars et Nathalie Lapyre “Les pratiques contmporaines de l’empowerment : pour une analyse des interactions entre pratiques et théorie, individu.e.s et collectifs”, L’Harmattan| Cahiers su Genre-2017

Liga de Emprendedores “Rio de Janeiro’s report on the Social Sector Intrapreneurship workshop” -2015

Michael Quinn Patton “Practical evaluation”, Sage Publications- 1990

Autoras:

Por Agueda Vargas Zambrana, estudante de ciências políticas na faculdade Sciences Po Bordeuax, França; Estagiária e voluntária ASPLANDE.

Por Jihen Jessy Gneneka, estudante de ciências políticas na universidade de Jean Moulin, Lyon França.; Estagiária e voluntária ASPLANDE.