Violência obstétrica: o que é isso?
No nosso país mulheres sofrem violência em vários espaços e lugares: em casa, na rua, nos transportes públicos, nas escolas, nos hospitais. Isso acontece muitas vezes, pelo fato da sociedade ser tolerante com a violência no qual as mulheres sofrem. Acontece porque não temos o hábito de denunciar todas as formas de violência que sofremos. Acontece porque quando denunciamos, nem sempre vemos um compromisso do Estado para nos proteger e impedir que novas violências aconteçam. Uma das razões mais relevantes para que a violência se perpetue: muitas de nós não percebemos quando estamos sofrendo uma violência. Por isso é importante sabermos sobre todas as formas de violência, como elas se manifestam e o que podemos fazer para que não sejamos vítimas novamente.
A violência obstétrica é uma forma de violência que muitas mulheres desconhecem, porém, esse texto explicará do que se trata, para que essas informações possa ajudar todas mulheres. A violência obstétrica é qualquer ato ou intervenção direcionado à mulher grávida, parturiente ou puérpera (que deu à luz recentemente), ou ao seu bebê, praticado sem o consentimento explícito da mulher, desrespeitando à sua autonomia, integridade física e mental, aos seus sentimentos, opções e preferências. Em outras palavras, é a violência que acontece com as mulheres no momento da gravidez, do parto: seja ele o parto natural (normal) ou obstétrico (cesariana), ou logo após o parto.
Uma pesquisa feita pela Fundação Perseu Abramo e o SESC em 2010 com mulheres que tiveram seus filhos pelas vias naturais (parto normal) na rede pública e privada de saúde, identificou que uma em cada quatro mulheres havia sofrido alguma forma de violência no momento do parto. As formas de violência mais comuns, que as mulheres entrevistadas citaram, foram:
– se negar ou deixar de oferecer algum alívio para a dor;
– não informar a mulher sobre algum procedimento médico que será realizado;
– negar o atendimento à paciente;
– agressão verbal ou física por parte do profissional da saúde.
O parto é um momento em que as mulheres estão mais vulneráveis, pois suas vidas e as de seus futuros filhos (as), estão nas mãos de uma equipe de profissionais de saúde, muitas vezes pessoas que não conhecemos e em quem teremos que confiar. O que se espera num momento como o parto é acolhimento, paciência, cuidado, informação, para que tudo aconteça da melhor forma possível. Mas nem sempre é isso que se acontece.
Algumas formas de violência obstétrica são mais fáceis de se perceber e outras são mais sutis, subjetivas, difíceis de serem percebidas. Impedir que a mulher seja acompanhada por alguém de sua livre escolha durante o parto, por exemplo, é uma forma de violência. Nesse caso, a gestante estará amparada pela Lei Federal 11.108, de 2005, que dá às mulheres “o direito à presença de um acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS”.
Outra ferramenta que pode ser usada em favor das mulheres é a Portaria 569, de 2000, do Ministério da Saúde, que cria o Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento do SUS.
Essa portaria diz: “toda gestante tem direito a acesso ao atendimento digno e de qualidade no decorrer da gestação, parto e puerpério” e “toda gestante tem direito à assistência ao parto e ao puerpério e que esta seja realizada de forma humanizada e segura”.
Impor a cesariana desnecessária às mulheres também é uma forma de violência. Além de ser um procedimento que traz mais riscos do que o parto normal, os bebês que nascem por cesariana têm mais chances de ir para uma UTI neonatal, de ter problemas respiratórios, metabólicos, infecções e outros. É claro que a cesariana é uma cirurgia importante e pode salvar a vida de mulheres e bebês, mas existem critérios e indicações para que essa cirurgia seja feita.
Tratar uma mulher em trabalho de parto de forma agressiva, grosseira, ou de qualquer jeito que a faça se sentir mal pelo tratamento recebido, são outros exemplos de violência obstétrica. Submeter a mulher a procedimentos dolorosos desnecessários ou humilhantes, como lavagem intestinal, raspagem de pelos pubianos, posição ginecológica com portas abertas, também configuram violência obstétrica. Fazer com que a mulher passe por mais de um exame de toque, especialmente por mais de um profissional, receber hormônios para o parto ser mais rápido ou fazer episiotomia (corte na região do períneo) sem consentimento, consiste em mais um exemplo de violência obstétrica.
Uma importante questão que devemos ressaltar é que no Brasil as mulheres negras sofrem mais violência obstétrica do que as mulheres brancas. Isso acontece porque são as mulheres negras que mais peregrinam a procura de hospitais na hora do parto, as que ficam mais tempo em salas de espera para serem atendidas, as que têm menos tempo de consulta e estão submetidas a procedimentos dolorosos, sem a utilização de analgésicos. Além disso, cerca de 60% das mulheres que morrem de morte materna são negras, de acordo com dados do Ministério da Saúde. Se as mulheres negras recebessem atendimento adequado durante o pré-natal, muitas dessas mortes teriam sido evitadas.
Finalizando, é importante que todas as mulheres façam consultas regulares ao ginecologista durante a gravidez, para acompanhar o seu desenvolvimento e o do bebê, mas também é fundamental conhecer seus direitos e poder usufruir desse momento de forma digna e humanizada. A gravidez e o parto devem ser uma celebração da vida. Para que isso seja verdade, precisamos eliminar práticas discriminatórias e humilhantes em relação a todas as mulheres.
Adriana Mota – Consultora de Projetos Sociais/Colaborada da ASPLANDE. Se você quiser entrar em contato com Adriana escreva para amota1508@gmail.com
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