Se a crise fechar uma porta, procure o seu vizinho

Em 2015, 3,8 milhões de moradores de comunidades, distribuídos por todo o país, revelavam o desejo de empreender e dar início ao seu próprio negócio (Instituto Data Favela, 2015).

Dentre as modalidades preferidas, se destacavam os segmentos de A&B – Alimentos e Bebidas (35%); Vestuário e Comércio Varejista (20%) e Serviços de Beleza (13%). Se você foi um desses… Parabéns! Agora, vem com a gente, que daremos início a uma jornada de descobertas, desvendando uma série de estratégias para ajudar o seu negócio a crescer – ainda que a economia em todo o país esteja diminuindo.

Para começarmos, permita-me lhe mostrar como você está situada hoje no mercado:

Viu? Foi por isso que eu lhe dei os parabéns! Clusters regionais (como as favelas) abrigam grandes oportunidades, uma vez que reservam um nicho de mercado cativo àqueles que souberem cultivá-lo.

Você pode conseguir isso de inúmeras formas. Começaremos abordando as seguintes:

Logística compartilhada para distribuição de produtos (tanto internamente, quanto para fora da comunidade); redução da capacidade ociosa de recursos físicos (máquinas, equipamentos, insumos) e humanos; extensão de escopo em economia criativa; verticalização e flexibilização de estoques; horizontalização e ampliação do poder de barganha na negociação com fornecedores; crossbranding e ações de marketing coordenado para alavancagem de vendas casadas; entre outros.

Hoje, conversaremos um pouco sobre esta última, pensando em como aplica-la aos 3 segmentos que analisamos anteriormente.

 

Alimentos e Bebidas

No segmento de Alimentos e Bebidas, o próprio fator territorial surge como um diferencial competitivo. Isso porque, quando o morador opta pela oferta local, de cara, ele economiza o dinheiro da passagem e evita o desgaste do deslocamento.

Contribui para sua decisão, também, a influência do círculo social, ou seja, a presença dos amigos e a confiança em ofertantes de bens e serviços conhecidos.

No caso do consumo não-doméstico, porém, é importante estarmos atentos à motivação do consumidor. Quando saímos para jantar ou beliscar em um boteco, muito além da finalidade funcional da refeição, há a busca por lazer e prazer.

Isso significa que esses estabelecimentos precisarão estar sempre inovando – do cardápio ao ambiente – para estimular uma nova visita do cliente. Se, por um lado, há quem receba a necessidade de renovação como um ônus (gasto adicional), por outro, existem aqueles que a percebem como uma oportunidade e, partir daí, firmam parcerias capazes de multiplicar seu market share (parcela de mercado, ou seja, quantidade de indivíduos que atendem).

Nesse caso, o estabelecimento surge como uma vitrine, a ser oferecida a autônomos e pequenos empreendedores que pretendam atrair visibilidade para seus produtos, aproveitando como público alvo todos os frequentadores da lanchonete, bar ou restaurante.

Música ao vivo, exposições de pintura e artesanato, degustação de doces ou bebidas caseiras… tudo isso pode e deve ser explorado.

Ao se abrir como espaço de divulgação, o estabelecimento recebe em troca insumos para agregar valor à experiência do seu frequentador.

O ideal é diversificar ao máximo os estímulos sensoriais presentes, incorporando ao paliativo-olfativo – típico do segmento de bebidas e alimentos – sensações visuais, táteis e auditivas, características da arte e da economia criativa.

Por fim, vale destacar a importância de se adequar o perfil dos expositores parceiros ao gosto do cliente, afinal, o intuito da ação é, justamente, conquistar sua preferência.

 

Beleza e Vestuário

Em mercados pulverizados (com muitos competidores), qualquer viés que sinalize uma vantagem ao demandante pode ser o bastante para conquista-lo. Afinal, seja qual for o “pouco”, sempre será mais do que o “nada”.

Seguindo essa linha de raciocínio, comércio varejista e serviços estéticos podem trabalhar em conjunto para impulsionar um as vendas do outro.

Por exemplo, uma loja pode sortear cupons para concorrer a um tratamento de beleza. Já um salão pode distribuir vales múltiplos para servirem como desconto nas compras em uma loja local.

O ideal é atrelar, ao máximo, consumo e vantagem. Assim, quanto mais você gastar na loja, mais cupons recebe para participar do sorteio. Ou então, o desconto aos clientes do salão é calculado com base na nota dos serviços pelos quais pagou.

O mais importante é que esses pequenos presentes funcionam como um chamariz para reter a demanda no interior da comunidade. É possível imaginarmos situações como:

Uma moradora e compradora habitual da loja, que toda semana faz as unhas do pé e da mão, ao ser sorteada e adquirir uma escova grátis no salão da comunidade, opta por realizar ali os 3 serviços.

Caso aprove o atendimento, a tendência natural é que se fidelize ao salão, inclusive como uma estratégia para acumular descontos naquela loja de que já gostava.

Se os cupons tiverem um prazo de validade, é provável que ela antecipe as compras, seja “praquela festa” ou pra presentear um amigo cujo aniversário está pra chegar.

Ainda, uma boa alternativa seria comprar ambos – o presente e a roupa pra festa – na loja, já que, quanto mais ela gastar ali, maiores serão suas chances de ser presenteada com outros tratamentos estéticos gratuitos. Então, por que não ir pra festa de roupa nova e beleza repaginada?

Mais do que a chance de conquistar para si o estrato da demanda que já era atendido pelo seu parceiro (ou seja, de apresentar o seu produto para os clientes que ele já detinha), esse modelo cria oportunidades para que ambos capturem, juntos, uma parcela fixa do mercado – um “grupo cativo” para a qual vocês serão sempre a “primeira opção” nos segmentos de Beleza e de Vestuário.

Antes de encerrarmos, devo chamar sua atenção para importância de conhecer o tíquete médio do seu estabelecimento antes de firmar uma parceria. Caso não se sinta segura, você pode recorrer a uma consultora que lhe ajude a escalonar receitas e despesas (sim, estou à disposição).

Pronto! Agora que você já entendeu como funciona na prática, posso apresentar o conceito teórico por trás do Crossbranding, sem assustar ninguém. Crossbranding é a articulação entre duas marcas – quer consolidadas, quer incipientes – com o intuito de reforçar a visibilidade de ambas e persuadir o consumidor em seu favor.

Isso quer dizer que essa técnica deverá ser aplicada entre parceiros que trabalhem com um mesmo público alvo, mas ofereçam serviços e bens complementares ou neutros, nunca substitutos (nunca concorrentes entre si).

Paralelamente, cabe recuperarmos a conclusão que chegamos através das estatísticas iniciais: o morador nestas áreas apresenta uma propensão natural ao consumo local.

Assim, cruzando informação, teoria e exemplos práticos, chegamos à nossa conclusão: intensificar os fluxos comerciais dentro dos limites da comunidade é simples e promissor – contribui com multiplicação da renda local, aumenta a estabilidade da demanda e reduz o risco frente à conjuntura de incertezas que assombra a economia nacional.

 

Roberta Muniz é economista (UFRJ), com pós-graduação em Projetos Sociais e Políticas Públicas (SENAC), aprofundamento em Gestão Governamental e Orçamento Público (ILB) e extensão em Gestão de Negócios Sustentáveis (UFRJ/INDG/Imazon). Voluntaria da ASPLANDE através dos www.atados.org.br. Contato: betah.muniz@hotmail.com